Como o futsal lapidou Ronaldinho, Neymar, Marta e outros gigantes do futebol
Quando eu digo que o futsal é uma das maiores escolas do futebol mundial, não é exagero, é a leitura prática de quem vive quadra, vestiário e treino todos os dias. Se você olhar com calma para a trajetória de muitos craques que a gente admira, vai encontrar um ponto em comum: antes de brilhar nos gramados, eles aprenderam a jogar em espaços reduzidos, sob pressão constante, com a bola queimando no pé dentro da quadra.
Neste texto, quero conversar com você, treinador, atleta, pai, mãe ou apaixonado pelo jogo, sobre essa ponte entre futsal e futebol de campo. Vou lembrar a história de alguns jogadores consagrados que começaram no salão e, ao mesmo tempo, trazer reflexões práticas sobre como podemos usar melhor o futsal na formação integral dos nossos atletas.
Futsal como primeira grande porta de entrada para o futebol
Na minha experiência, o futsal é uma porta de entrada poderosíssima para o futebol de campo. É na quadra que o jogador aprende, desde cedo, a dominar a bola sob pressão, a pensar rápido, a usar o corpo para proteger, a encontrar linha de passe curta, a finalizar em pouco espaço e a participar o tempo todo do jogo.
Por isso, não me surpreende ver cada vez mais elementos típicos do salão aparecendo no campo. O goleiro que joga com os pés, as triangulações em espaço reduzido na entrada da área, as tabelas rápidas nas costas da linha defensiva, os movimentos de apoio e mobilidade para gerar superioridade numérica em setores específicos.
Quando a base do atleta passa pelas quadras, ele leva para o campo uma bagagem técnica e cognitiva muito rica. Em termos de princípios de jogo, o futsal trabalha percepção de espaço, ocupação de corredores, tempo de apoio, coberturas e compensações, tudo em alta velocidade. E isso, para o futebol moderno, é ouro.
Ronaldinho Gaúcho: a magia que começou no salão
Ronaldinho Gaúcho é um símbolo perfeito dessa transição das quadras para o campo. Antes de encantar o mundo com as camisas de Grêmio, PSG, Barcelona, Milan, Atlético Mineiro e Seleção Brasileira, ele já fazia estragos no futsal.
Na infância, Ronaldinho atuou pelo Procergs, em Porto Alegre, entre 1990 e 1994, conquistando títulos estaduais e acumulando experiência em jogos de alta intensidade nas categorias infantis. Ele chegou ao time com apenas 10 anos, enquanto também fazia parte das categorias de base do Grêmio no futebol de campo.
Os dribles curtos, a improvisação, aquele jeito “moleque” de prender e soltar a bola, foram lapidados em quadras pequenas, com adversário em cima, pouco espaço e muita tomada de decisão por minuto.
Quando eu vejo um atleta criativo na escolinha, que arrisca um drible em espaço curto, eu não corto esse comportamento de imediato. Eu organizo. Transformo em objetivo tático. Crio jogos reduzidos condicionados em que ele precisa driblar, mas dentro de um contexto, por exemplo, romper uma linha, gerar superioridade numérica ou liberar um companheiro em condição de finalização.
Neymar: decisão rápida e criatividade em espaços apertados
Neymar, considerado por muitos o principal jogador brasileiro da atualidade, também foi moldado pelo futsal. Ele começou no salão aos 7 anos, pela Portuguesa Santista. Em um dos torneios que disputou, marcou 23 gols e conquistou seu primeiro prêmio individual.
Aos 11 anos, passou para o campo ao ingressar no Santos, mas seguiu conciliando as duas modalidades até os 14. O próprio Neymar já afirmou que o futsal foi decisivo para a técnica, para a velocidade de pensamento e para a capacidade de jogar em espaços muito reduzidos.
Quando analisamos o jogo dele, vemos dribles curtos, mudanças de direção explosivas, uso do corpo para proteger a bola e soluções criativas em milésimos de segundo. Tudo isso é típico de quem foi exigido, ainda criança, a ler coberturas, linhas de passe, apoios e espaços livres em quadras pequenas.
Na prática, o que eu faço com esse tipo de referência? Em muitos treinos de base, principalmente Sub 9, Sub 11 e Sub 13, proponho jogos 3 contra 3 ou 4 contra 4 em espaço reduzido, com regras que estimulam o um contra um ofensivo, mas sempre com um objetivo: atacar o espaço certo, no tempo certo, e não driblar por vaidade.
Kaká: inteligência de jogo construída desde a base no salão
Kaká, eleito melhor jogador do mundo em 2007, também carrega o futsal na raiz. Antes de virar referência mundial com a camisa do São Paulo, ele já representava o clube nas disputas de futsal, entre 1991 e 1994.
Essa formação ajudou na construção de uma leitura de jogo muito refinada. Kaká sempre se destacou pela capacidade de ocupar bem os espaços, aparecer entre linhas, receber em condições favoráveis e chegar à área para finalizar.
Em termos pedagógicos, o futsal oferece isso o tempo todo: o jogador precisa achar o “meio espaço” livre, se desmarcar, oferecer linha de passe, perceber o movimento do companheiro e do adversário. Quando eu treino essa leitura com meus atletas, uso muitos jogos reduzidos com regras como “só pode finalizar depois de um passe no jogador entre linhas” ou “gol só vale se houver troca de corredor antes da finalização”.
Marta: a rainha que também passou pela quadra
Marta, uma das maiores jogadoras de todos os tempos, com dezenas de títulos e mais de cem gols pela Seleção Brasileira, também tem história com o futsal. Ela jogou pela AABB em Minas Gerais, em 2002, antes de se consolidar definitivamente no campo.
A agressividade ofensiva, a coragem no um contra um, a capacidade de conduzir a bola por entre defensoras e a frieza na finalização têm muito do que o futsal cobra desde cedo.
Quando eu trabalho com meninas ou com categorias mistas, gosto de reforçar esse exemplo. Mostro que a quadra é um espaço potente de desenvolvimento para qualquer atleta, seja ele do masculino ou do feminino. E organizo sessões em que a tomada de decisão da ala ou da pivô no futsal dialogue com a função da atacante no campo, por exemplo, atacando o espaço entre lateral e zagueira, ou explorando diagonais em velocidade.
Ronaldo Fenômeno, Júlio César, Juan e outros casos importantes
Ronaldo Fenômeno, um dos maiores atacantes da história, também passou pelo futsal. Ele jogou pelo Social Ramos Clube e pelo Grajaú Country, no Rio de Janeiro, antes de seguir para o São Cristóvão e iniciar a carreira no futebol de campo.
No mesmo Grajaú, o goleiro Júlio César também brilhou no salão antes de se destacar no Flamengo e na Seleção Brasileira. O zagueiro Juan trilhou um caminho parecido, passando pelo futsal do clube carioca antes de se consolidar no campo.
Em todos esses exemplos, eu enxergo um padrão muito claro. A quadra funciona como um laboratório intenso de tomada de decisão, velocidade de reação, domínio técnico e compreensão dos princípios de ataque e defesa. Depois, quando o atleta migra para o futebol de campo, esses elementos aparecem de forma natural em um espaço maior.
Como treinador, eu uso essas histórias tanto para motivar os jogadores quanto para embasar meu planejamento. Não é só “bonito falar”. Eu justifico para os atletas e para os pais por que determinadas etapas no futsal são fundamentais, por que não adianta pular fases e ir direto para o campo pensando só em resultado.
Messi e Cristiano Ronaldo: futsal além do Brasil

Essa influência do futsal não é exclusiva do futebol brasileiro. Lionel Messi, múltiplas vezes eleito melhor do mundo, também deu seus primeiros passos no futsal com a camisa do Newell’s Old Boys, em Rosário. Lá, ele jogou tanto salão quanto campo antes de ser levado para o Barcelona.
Cristiano Ronaldo também foi lapidado nas quadras em Portugal. A agilidade, o drible curto em velocidade, as mudanças rápidas de direção e a capacidade de finalizar com pouco espaço têm muita relação com o futsal praticado na infância.
Quando eu observo um jogo de alto nível desses dois, vejo muita coisa que reconheço das quadras: ocupação dos corredores, ataque ao espaço livre depois do passe, pausas curtas para desequilibrar o defensor, leitura rápida de superioridade ou inferioridade numérica. Tudo isso pode e deve ser trabalhado em jogos reduzidos bem planejados no dia a dia da base.
O que tudo isso ensina para nós, treinadores
Como treinador, eu olho para essas trajetórias e tiro
algumas lições que levo diretamente para o meu treino.
- O futsal potencializa a técnica com muitas repetições qualitativas.Em poucos minutos de jogo, o atleta participa ativamente, recebe várias bolas, passa, conduz, finaliza, se desmarca, erra e corrige sob pressão.
- Na
prática, gosto de usar jogos 3 contra 3 ou 4 contra 4, com limite de
toques, para forçar controle orientado, passe firme e finalização em
poucos segundos.
- A tomada de decisão é treinada o tempo todo.O espaço é curto, o tempo é reduzido, a densidade de ações é alta. Isso acelera o desenvolvimento cognitivo do jogador.
- Um
exemplo simples é usar jogos condicionados em que o gol só vale depois de
mudar o lado da quadra ou depois de realizar uma tabela. Assim, o atleta
precisa pensar além do gesto técnico isolado.
- A criatividade é estimulada dentro de um contexto tático.Fintas, dribles, tabelas e improviso aparecem com naturalidade, mas precisam ser conectados a um objetivo de jogo.
- Eu costumo propor tarefas em que o jogador só pode finalizar depois de um drible bem sucedido ou depois de criar uma situação de dois contra um, para que ele entenda que o recurso técnico serve a uma intenção tática.
Para fechar: por que eu
defendo tanto o futsal na formação?
Se você é treinador, professor de Educação Física, pai, mãe
ou gestor esportivo, olhar com atenção para essas histórias ajuda a entender
por que eu bato tanto nessa tecla. A quadra não é só um “passatempo” até o
atleta ir para o campo. Ela é uma etapa estratégica da formação, em que
técnica, leitura de jogo, criatividade e tomada de decisão aparecem o tempo
todo.
Quando vejo nomes como Ronaldinho, Neymar, Kaká,
Marta, Ronaldo, Júlio César, Messi e Cristiano Ronaldo com passagem marcante
pelo futsal, enxergo um recado claro para todos nós que trabalhamos com
formação: investir no futsal de base é investir em jogadores mais completos,
mais inteligentes e mais preparados para as exigências do futebol moderno.
Eu levo essa visão para os meus treinos diários e posso
dizer, pela prática, que a quadra transforma a forma como o atleta enxerga o
jogo. Se você já integra o futsal no seu processo, siga firme e aprofunde ainda
mais essa lógica. Se ainda não trabalha de forma intencional com o salão, minha
sugestão é simples: escolha uma categoria, organize ao menos um microciclo com
foco em futsal e observe, com calma, o impacto na técnica e na tomada de
decisão dos atletas.
Depois, volte, ajuste, evolua. A formação do jogador é uma
construção contínua, e o futsal pode ser uma das colunas principais dessa
estrutura.
✍️ Coach Edhuardo | Treinador de Futsal | @coachedhuardo






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